Lendo José Saramago, uma passagem me chamou a atenção “A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante se sentou na areia da praia e disse: “Não há mais que ver”, sabia que não era assim. O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu lá, ver na Primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.” E muito claramente fiz uma analogia com o dever de casa, a viagem não termina quando sinal soa para os alunos irem para casa, é lá que começa. A nossa ideia é que os alunos vão com interrogações, curiosidades, vontade de desvendar as sementes que plantamos, contudo o dever de casa tem se tornado cada vez mais conflituoso para famílias e escola, no mínimo controverso.
Muitas vezes o dever de casa torna-se o principal ponto de conflito entre escola e família, professores e alunos, pais e filhos. É inegável a importância deste instrumento para o desenvolvimento do hábito do estudo e da pesquisa, da disciplina intelectual, além de servir como extensão das atividades escolares. Entre pais e alunos, esse é um assunto bastante comum, pois afeta diretamente suas vidas, seu convívio, seus hábitos e suas rotina.
Durante a minha vida profissional e também como mãe, muitas vezes questionei os para casa, e às vezes até de forma incoerente, porque ao mesmo tempo em que reclamava da quantidade de para casa de um professor, queixava do outro que nunca dava para casa. Afinal, qual o objetivo pedagógico do dever? Tem quantidade para ser eficaz? Tem que dar em todas as aulas?
É certo que dever de casa é um recurso eficaz no que diz respeito à preparação do aluno para uma sociedade focada em resultados quantitativos e exames classificatórios, mas também contribui em aspectos disciplinares e no estreitamento das relações entre a família e a escola. Enquanto ferramenta pedagógica, a tarefa de casa deveria ser o momento de autonomia para o estudante, no qual ele realizaria a “repetição” ou tornaria o aprendizado “palpável”, sem pressão ou interferência, a fim de levantar as dúvidas, ter certeza se aprendeu e o quanto, de certa forma, é uma avaliação do processo de ensino-aprendizagem.
O papel primordial é a autodisciplina, a habilidade mais difícil de ser trabalhada. Assim, os deveres de casa ensinam o aluno a desenvolver essa competência – que chega acompanhada de outras características como autorresponsabilidade, organização e capacidade de concentração – na prática. Em consequência disso, observamos que os alunos que têm o hábito do para casa e do estudo diário são os de maior facilidade de aprendizado, principalmente aqueles, cujas famílias interviram da maneira adequada, desde a educação infantil.
Não raro, tomamos conhecimento, por meio de atendimentos pedagógicos e até no cotidiano familiar dos fatores que levam ao stress em torno das tarefas de casa são muitos: falta de tempo (às vezes um acumulo de tarefas extracurriculares), dificuldade em impor regras e limites, falta de diálogo com a escola, dificuldades de aprendizagem, inadequação das intervenções, falta de material ou infraestrutura em casa, etc. Pensando em todos os aspectos e em pesquisa, podemos orientar as famílias com algumas dicas:
- Crianças de 5 a 8 anos:
Aspectos formais: orientar apresentação, margem, letra, cabeçalho, recorte e uso de cola.
Aspectos de aprendizagem: o momento é de aprender a aprender.
- Crianças de 8 a 10 anos:
Aspectos formais: continuar a monitorar dando independência, ensinar a controlar a agenda. Uma boa dica é montar um horário semanal para o dever e pedir a criança para deixar o caderno/livro com a tarefa para a família revisar e dar o visto à noite.
Aspectos de aprendizagem:
LEITURA/ESCRITA: o momento é de aprender a estudar.
Um caderno de estudo com cinco perguntas, no máximo, sobre os temas estudados.
- Crianças a partir de 10 anos:
Aspectos formais: valorizar a importância da legibilidade da letra e a organização. Usar e abusar de post-its, canetas para grifar textos e pastas organizadoras.
Aspectos de aprendizagem: o momento de aprender as técnicas de estudo, fazer a gestão do tempo e checklists.
Os esquemas ajudam muito, pois os resumos são longos.
Os mapas conceituais também são formas rápidas de obter um estudo de qualidade.
O segredo não é estudar muito e sim estudar sempre.
Levando-se em consideração todas as ideias, lembramo-nos de que as viagens precisam de planejamento, rota, recordações, marcas, até de voltas, de explorar o mesmo lugar duas vezes. Por isso, vamos incentivar o para casa, elogiando nos momentos certos, intervindo em outras, separando um lugar adequado com recursos e estímulos certos, ajudando nossos filhos na autonomia, na construção de um aprendizado concreto, e ainda confiando nos professores.